Clarice Lispector odiava ou amava Brasília? Entenda

  • 15/09/2024
(Foto: Reprodução)
Autora escreveu duas crônicas sobre capital do país; 'gélida', 'artificial', 'apocalíptica' e 'linda' foram alguns dos adjetivos usados. Pesquisadores explicam como era relação de amor e ódio de Clarice com a cidade. Da janela de algum apartamento do Setor Hoteleiro nas décadas de 1960 e 1970, Clarice Lispector (1920-1977) observava Brasília com seu olhar atento aos detalhes e ao todo. Suas contemplações resultaram em duas crônicas: Brasília, de 1963, e Brasília: esplendor, de 1974. ✅ Clique aqui para seguir o canal do g1 DF no WhatsApp. Nos textos, ao mesmo tempo em que Clarice adjetivou a cidade como gélida, artificial, apocalíptica e prisão ao ar livre, ela também disse que Brasília é linda e nua. Afinal, qual era a relação de Clarice Lispector com a capital do país? Adoro Brasília. É contraditório? Mas o que é que não é contraditório?, diz a autora em uma das crônicas. O professor André Luis Gomes, do departamento de Teorias Literárias e Literaturas da Universidade de Brasília (UnB), explica que a autora esteve no Distrito Federal em três diferentes ocasiões. Uma em 1962, com os filhos, e outras duas em 1974 e 1976, a convite da Fundação Cultural do DF. As sensações vão do espanto, ao medo, ao mistério, e ao susto. Para ela, o espanto é maior que o ódio ou o amor. Clarice é processo e encantamento, diz Gomes. Para o professor, Brasília é descrita pela autora por visões que se contrapõem, transitando entre o medo (Aqui eu tenho medo) até o amor (Este grande silêncio visual que eu amo). Neste sentido, é preciso ressaltar uma frase conhecida da autora: 'O silêncio está repleto de palavras'. [...] É uma relação de espanto, de alguém que está diante do novo e está em construção. A cronista estabelece com Brasília uma relação entre conhecidos, e ela personifica Brasília, diz Gomes. 'Clarice desordenou ideias para decifrar a cidade ordenada' Clarice Lispector em entrevista Reprodução TV Cultura/1977 O arquiteto e urbanista Sérgio Jatobá é autor do livro Brasília, cidade construída na linha do horizonte. Nele, há três textos inspirados diretamente nos textos de Clarice Lispector sobre a cidade. A ordem espacial de Brasília a assustou e a fascinou ao mesmo tempo. Pelos olhos do delírio, ela procurou enxergar a lucidez. Na sua insônia, imaginava estar no sonho de uma cidade que despertaria o futuro. Clarice desordenou ideias para decifrar a cidade ordenada, diz Jatobá. O título do livro de Jatobá também vem de uma frase que a própria Clarice disse após uma de suas visitas à capital do país. Os textos de Clarice têm um tom delirante, uma licença poética que uma escritora pode se dar. No entanto, há ditos muito acertados, como o de que 'Brasília foi construída na linha do horizonte'. Uma das coisas mais destacadas em Brasília é a onipresente visão da linha horizonte. Não é por acaso. O Plano Piloto foi construído sobre um domo inserido em um vale circundado por chapadas. Para ajudar a visualização, pense em uma bacia que teve o seu fundo empurrado para cima, explica o arquiteto. Segundo Jatobá, apesar do teor sentimental dos textos de Clarice, em cada trecho de suas crônicas sobre Brasília pode se extrair significados e gerar reflexões interessantes sobre a realidade, como quando ela diz que Brasília é o fracasso do mais espetacular sucesso do mundo”. Brasília, como a capital, deveria ser uma cidade que espelhasse modernidade, igualitarismo, uma sociedade nova e socialmente avançada para o mundo. Mas a cidade logo reproduziu e até exacerbou as grandes desigualdades sociais do país e suas mazelas econômicas e políticas, afirma. O arquiteto e escritor explica que Clarice não tentou explicar Brasília, como muitos intelectuais da época tentaram fazer, mas simplesmente relatou sua experiência sensorial com a cidade, mesclada com sua vivência pessoal. Com isso, criou um texto com alta carga poética e simbólica, que impacta muito a quem vive em Brasília e a quem a conhece pela primeira vez, diz Sérgio Jatobá. Veja alguns dos trechos extraídos das crônicas Brasília (1962) e Brasília: Esplendor (1974): Porque é preciso que alguém chore em Brasília. Os olhos dos habitantes são secos demais. Então eu estou me oferecendo para chorar. Brasília é o meu martírio. E não tem substantivo. É só adjetivo. E como dói. A luz de Brasília me deixou cega. Esqueci os óculos escuros no hotel e fui invadida por uma terrível luz branca. Mas Brasília é vermelha. E é completamente nua. Você me incomoda, ó gélida Brasília, pérola entre os porcos. Oh apocalíptica. “Os dois arquitetos não pensaram em construir beleza, seria fácil; eles ergueram o espanto deles, e deixaram o espanto inexplicado.” Uma prisão ao ar livre. De qualquer modo não haveria pra onde fugir. Pois quem foge iria provavelmente para Brasília. Prenderam-me na liberdade. Mas liberdade é só que se conquista. Quando me dão, estão me mandando ser livre. Quem foi Clarice Lispector Clarice Lispector se despediu há 40 anos, mas sua obra permanece viva Dona de um estilo de escrita único e uma intensidade transparente em seus textos, Clarice Lispector foi um dos poucos nomes da literatura brasileira a conseguir reconhecimento ainda em vida. Seu romance de estreia, Perto do Coração Selvagem (1943), escrito aos 24 anos, lhe rendeu seu primeiro prêmio, o Graça Aranha. Clarice é escritora brasileira mais traduzida do mundo. Dos seus 18 livros, entre romances, contos e crônicas, A Hora da Estrela (1977) é, desde 1983, o mais traduzido, com publicações em 27 idiomas. Nascida na Ucrânia, Clarice chegou ao Brasil ainda bebê, em 1922, com sua família que fugia devido à perseguição aos judeus depois da Revolução Russa de 1917. Os Lispector chegaram a Maceió, de onde mudaram para Recife, em 1924, e daí para o Rio de Janeiro, em 1935, cidade em que se estabelecem definitivamente. No Brasil, os membros da família aportuguesaram seus nomes. O pai Pinkhas ou Pinkhouss passou a ser Pedro, e a mãe Marian ou Mania transformou-se em Marieta. Das filhas, Leah virou Elisa; Tcharna, Tânia; e Chaya, Clarice. Casada com um diplomata brasileiro, a escritora morou fora do país de 1944 a 1959 (Itália, Suíça, Inglaterra e Estados Unidos), quando se separou e retornou ao Brasil, onde viveu até sua morte, em 9 de dezembro de 1977, um dia antes do seu aniversário de 57 anos. LEIA TAMBÉM: SALÁRIOS DE ATÉ R$ 37 MIL: Veja concursos abertos em Brasília DIA DO CERRADO: veja VÍDEO de como ficou a Flona após incêndio queimar quase metade da área de preservação Leia mais notícias sobre a região no g1 DF.

FONTE: https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2024/09/15/clarice-lispector-odiava-ou-amava-brasilia-entenda.ghtml


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